quinta-feira, 28 de maio de 2009

71. A GENTE NÃO QUER SÓ COMIDA, A GENTE QUER GENTILEZA TAMBÉM!


Aqui no Rio tem um Supermercado que fica ao lado da minha casa e que tem o pãozinho francês mais gostoso da cidade, que não é de boutique, claro. Pão de boutique é aquele que vem num filó, grão especial, e tal e coisa, quase uma jóia. Não que eu não goste, adoro! Mas fico quase constrangida em comprar, o preço é bem maior que o pão nosso de cada dia e penso logo: engorda, vai de retro e pronto, esqueço o assunto.
Voltando a vaca fria. Minha filha estuda de manhã bem perto de casa, umas tres quadras ou seja, ponto a ponto. Sobe no ônibus em frente ao nosso prédio, é o tempo de pagar e descer. Mas mãe é mãe, fico com peninha e acabo levando de carro, tomamos (ela) um café juntas, vamos batendo um papinho, falando bobagem e sei que ela gosta, apesar de morrer de vergonha do nosso carro Clio-Renault-azul-desenho-animado-já cheio de batidinha (garagens apertadas!) que nós serve com garbo. O fato é que na volta, na maioria das vezes, eu passo neste supermercado que tem também um café da manhã delicioso. Sento lá, toma um café com o pão fresquinho e vejo o Bom Dia Rio na companhia silenciosa de algumas pessoas do bairro, gente que está indo pro trabalho, outros voltando da ginástica, a maioria na companhia também do jornal impresso.
Já fizemos“quase" um grupo, e as atendentes já sabem o que eu quero, oi como vai, e sua mãe, melhorou? E o dia fica bem mais fácil assim.
Mas....
Nas quartas feiras tem a minha terapia (sim, vocês acham que eu me aguento?!) e sempre que posso vou de bicicleta, faço um exercício básico e vou olhando a paisagem. Em frente ao consultório da minha terapeuta tem um Supermercado igualzinho ao meu, da mesma Rede, do mesmo dono, da mesma cor e com o mesmo suco e pão. Bom, bicicleta+ sede= água, antes de entrar no consultório fui até o supermercado toda facinha, coração aberto, cheia de amor pra dar e peguei um suquinho. Onde paga? Ali minha senhora, 5 minutos esperando “alguém que foi buscar uma coisa ali rapidinho e já volta”. Chega a dita cuja. “ A senhora não tem nota menor não?” Menor que R$ 10 !!? Ah, então espera aí, ih errei, chama a supervisora, e lá se vão 10 minutos, 12 e finalmente chega o troco e o meu suco já tinha acabado. Já estava com um atraso de 10 minutos. Mas o que me irritou mesmo foi a grosseria da atendente com os olhos pintados no estilo “Caminho das Índias” , que falou comigo com a doçura de um pitbulcomo como se eu tivesse lhe feito alguma coisa que não sorrir e ainda olhava para todos os lados, menos pra mim a quem ela atendia!
Perguntei, ainda calminha: “meu bem, vc está com algum problema?” Ela responde: “estou meio doente...porra” (que saiu sem querer, claro, mas saiu)! Eu fiquei um pouco atarantada e o máximo que eu falei foi “então você não deveria estar trabalhando” e fui embora.
Subi para a terapia e lá no meio da sessão estava chorando, aquela moça tinha me magoado e eu me deixei magoar, eu não consegui reagir na hora, afinal ela estava ali no batente e eu de bicicleta no Leblon (bairro nobre do Rio) indo fazer uma terapia, culpa cristã misturada com uma certa vulnerabilidade “tepeémica”, apesar de estar precocemente ou temporariamente na menopausa. Ali na terapia comecei a reagir, ora porra, e o que eu tenho a ver com isso? Na posse do meu estado emocional normal, sai da terapia, atravessei a rua e entrei decidida supermercado adentro e já não tão maternal para as 8 horas da manhã. Minha filha, olha só (olhando bem nos olhos de Maya dela), ta vendo o meu cabelo bem curto? Ta vendo a minha sobrancelha bem rala? Ta vendo esse peito bem maior que o outro por debaixo da minha blusa? Ta vendo esse cateter que me impede de usar camisetas mais ousadas para não ter que explicar que porra é essa? Pois é dona Suria, Xirad, Shankar, Opach, sei lá o que, pois então, você não tem idéia de como estou (estive) doente, do que eu passei nos últimos meses e o que vou encarar pela frente e você não vai me deixar pior nem um tiquinho a mais! E trate de chamar a sua supervisora porque é inadmissível que alguém trabalhe doente neste estabelecimento! Ah, e pra seu governo, vou sair daqui e encarar no mínimo 10 horas de trabalho! E não vou sair mordendo os outros por causa da minha dor particular! Ela com os seus olhos arregalados de Raj ou Bahuam, me pediu desculpas e disse que não tinha tido a intenção e etc. Ali pude falar pra ela que ela não podia despejar sua raiva do mundo na primeira pessoa que aparecesse na frente, que todo mundo tinha problemas e que ela tratasse de ir ao médico pra ver o que diabos ela tinha.E saí andando, bem mais leve do que entrei, sem antes dizer: e trate de fazer o auto-exame! Fui! Subi na bicicleta feito num cavalo azulão rumo ao meu forte apache, sem antes dar uma paradinha e apreciar uma paisagem bonita.
Já chegando em casa, passo no meu supermercado preferido e entro rapidinho para conferir o alto astral daquele lugar e encontrar minhas amiguinhas atendentes de sempre. Ufa! Estavam todas lá, sorridentes, e aí, bom dia, apareceu tarde hoje e pronto, já melhorou o meu dia.
Estava mega atrasada, mas queria começar o dia novamente e consegui. Pequenas vitórias fazem a gente ganhar uma guerra, e esta minha guerra particular eu não vou perder.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

70. BOM DIA FLOR DO DIA!




Chegando no prédio do escritório alguém me chama com insistência: D. Clélia, ô D. Clélia! Parei e olhei até onde minha miopia pôde enxergar, espremendo os olhinhos até a pessoa ficar em foco. Toda espevitada, faceira, colorida, a mulher vem de braços abertos e coração idem. Ela, já colada em mim, me sapecou 2 beijinhos e aí eu pude reconhecê-la melhor. Era D. Raimunda, a minha mulher adotada! Fiquei impressionada com a sua mudança. Ela estava uma gata!
Explico: D. Raimunda, uma senhorinha de 52 anos, é a mulher que adotei na minha campanha “Adote uma possível portadora de câncer de mama”, lançada aqui neste blog no mês de dezembro de 2009.
A idéia surgiu depois que soube que toda mulher acima de 40 anos tem direito ao exame de mamografia de Graça! Isso mesmo que você leu!!! De graça. No mesmo dia soube outro dado bem assustador: Somos 60 mil mulheres por ano (volte duas casas e leia de novo para não esquecer!!!) Confirmando, 60.00 mil mulheres com câncer de mama. Agora, repita comigo, 60 mil. Camon evribari: 60 mil. Decorou? Pois então, é gente pra caramba, um maracanã lotado, final de campeonato brasileiro.
Juntando mais uma informação do tipo censo do IBGE de que as mulheres de baixa renda no Brasil são, na sua maioria, esteio de família, danou-se.
Elas que cuidam dos filhos, dão jornadas triplas de trabalho, e sem elas a família vai pro beleléu, trazendo mais dor aos que já nasceram desfavorecidos.
Pois bem, aí lancei a campanha, simples e direta: adote uma mulher e a leve pela mão ao exame.
Pode ser a mulher do porteiro, do zelador, a mulher que te atende na vendinha, a sua vizinha, a moça da limpeza do seu escritório, a diarista da casa ao lado, a zeladora da escola da sua filha, enfim, não precisa nem sair do seu bairro se não quiser ter trabalho. Mas mire numa e adote.
A maioria dessas mulheres não têm tempo nem para se olhar no espelho, imagina ir num posto médico fazer a mamografia? E tem a ignorância, o medo, a falta de dinheiro para pegar um ônibus, com quem deixar os filhos, quem vai fazer o jantar e blá, blá, blá.
Fale com ela da importância do exame, e se ela não der importância, apele. Fale nos filhos, no futuro, nos netos que ela vai ver nascer, e etc. Mas siga um roteiro e ajude de verdade: veja qual é a mamografia mais próxima, dê o dinheiro da passagem, cobre se ela já fez, veja quando ela fizer, morda e assopre, seja doce e firme.
Este era e é o mote da campanha e adotei a D. Raimunda, senhora simpática vestida no seu uniforme de limpeza nada sexy azul que sempre me dava um bom dia alegre e animado quando chegava no prédio do escritório. Dava pra ver que era uma senhora sofrida e apesar da pouca diferença de idade entre nós, já era avó de uma garota de 15 anos! Que ela sustentava! Pois a D. Raimunda nunca tinha feito nenhuma mamografia em toda a sua vida! Tinha tido 4 filhos e nenhum exame do útero! Tinha tido 03 maridos e só eles tinham tido acesso aos seus seios, nenhum médico (a) tinha chegado perto! Adotei no ato!
Em janeiro ela começou a fazer os exames e eu fiz a minha mastectomia. Nossos horários não coincidiam e ela deixava os resultados na minha sala. Fevereiro, março, oi D. Raimunda como vai, ta indo tudo bem, e aí? Abril, ela tira férias, “ótimos resultados, tudo certo graças a Deus, pressão um pouco alta, nada de grave, adorei a médica, muito obrigada, to rezando muito pela senhora”, e etc.
Maio. Corta para o início do post quando devolvo os dois beijos sapecados. Numa rápida conversa ele me diz que agora está inserida num projeto social da comunidade onde ela vive e que atende mulheres (corte de cabelo, manicure, trabalhos manuais, dentistas, esclarecimentos de saúde e direitos, etc). Já tinha levado mais de 10 mulheres ao mesmo posto de saúde onde tinha ido e estava feliz da vida. Nos abraçamos, ela me apresentou pra amiga que a acompanhava me colocando no céu, nos despedimos e me encaminho para o elevador.
Mais tarde encontro D. Raimunda, no mesmo uniforme azul nada sexy. Mas ela estava coradinha, o cabelo cortado com uma fivela prateada e um batom rosa claro. E até achei o uniforme um pouco mais sexy. Sem dúvida alguma coisa tinha mudado e eu fiquei muito feliz que tenha contribuído para isso. Ela me diz que todo dia reza pela minha saúde, que se eu precisar de qualquer coisa é só pedir. Ficamos ali mais um pouquinho e eu pensei cá comigo: não quero nada não D. Raimunda, ou melhor, Raimunda, só quero que a você continue me dando bom dia com esse sorrisão maravilhoso pela manhã. Ganhei a semana. Adote uma mulher você também e ganhe uma nova amiga.

terça-feira, 12 de maio de 2009

69. EU VIVO (VEJO) UM MUSEU DE GRANDES NOVIDADES ou PARA NÃO ESQUECER.


Estou vivendo uma situação recorrente nas duas últimas semanas: tenho reencontrado pessoas que não via há tempos. Incrível! Para finalizar a semana, no domingo das mães reencontrei minha amiga Pólita, a mais antiga de todas as amigas e a melhor amiga por muitos e muitos anos, do início do primário até o fim da faculdade, pelo menos. Para ela contei o primeiro beijo, a primeira menstruação, a primeira relação sexual, todos os meus medos e alegrias, descobertas comuns à trajetória de uma mulher. E vice e versa. Quando vim morar no Rio e ela ficou em Manaus, nossas cartas (meu Deus, escrevíamos cartas!) eram constantes e verdadeiras obras de arte (principalmente da parte dela, claro), embrulhadas em papel colorido, com recortes, cheiros, enfim, haja tempo ocioso! E a gente sofriiiiiiia, escrevia cartas dificílimas, nossa, a gente era metida mesmo, nos achávamos ali ó com Clarice Lispector.
Depois ela finalmente veio morar aqui, e a condição de comissária de bordo era favorável para encher nossas vidas de novidades, de canetinhas diferentes a bebidas mais turbinadas, passando pelo CD "difícil de achar no Brasil". Foi uma época maravilhosa!
Com o tempo, aos poucos fomos nos afastando, e até agora nem sei os motivos ao certo.
Aliás este é um parágrafo: tenho muita dificuldade em lembrar o que me faz triste. Com o passar do tempo, esqueço os motivos que me trouxeram algum desconforto, sou facinha, facinha. Aliás, não guardo nadica de nada que me faça mal, portanto, sou a prova viva que isto não tem nada a ver com câncer esta história que guardar rancor ou ressentimentos dá câncer!!! Pelo menos o meu não foi por isso..
Bom, voltando....
Quando eu recebi o diagnóstico do câncer, liguei pra ela logo em seguida... Tive uma vontade enorme de falar com ela especificamente, talvez por que ela fosse a única pessoa capaz de me contar aos pouquinhos, remotamente, como eu tinha chegado até aqui, fazer o link e juntar os meus pedaços para ganhar força e enfrentar a doença como gente grande. Como João e Maria eu tinha jogado os miolos de pão pelo caminho, e ela era uma pessoa que podia me ajudar a me achar.
Me fez muito bem falar com ela, com certeza. Sempre foi e não seria diferente. E aí fui fazendo disso um hábito, liguei pra pessoas que não encontrava mais, colegas de faculdade, ex mulheres ou maridos de amigos, ex namorados, etc.
Na verdade muita gente eu tenho reconhecido, no sentido de “conhecendo novamente”...
Gente que fez parte da minha intimidade e que eu estava distante ou via de outra maneira, ou sei lá, pouco via! O fato é que meus hábitos mudaram em parte, baixei a bola, tenho estado mais atenta, sei que não sou invencível, reconheço valor nas pequenas coisas do cotidiano banal, presto mais atenção nas palavras que ouço e penso antes duas vezes antes de dar as minhas respostas. Não que eu seja uma louca desvairada ou que não seja cuidadosa com as pessoas que amo, mas certamente sou em parte outra pessoa. E neste momento aproveito para resgatar gente, comportamentos, pedaços de conversa, hábitos maravilhosos que havia deixado pra trás, etc. Como cantava o poeta Cazuza, e de quem eu roubo a frase e interpreto livremente ...
“Eu vejo (neste caso, Vivo) um Museu de Grandes Novidades”.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

68. DETERMINAÇÃO!!! GO!

Me mandaram este vídeo e eu fiquei muito emocionada, e achei muito apropriado para quem enfrenta um câncer ou qualquer outra sistuação limite parecida. Infelizmente não consegui postar, mas é só seguir o link
Aproveito para desejar a todas um Feliz Dia das Mães e Feliz Dia das Filhas!
Tim-Tim
http://www.youtube.com/watch?v=xk-xI_nY2Co

quarta-feira, 6 de maio de 2009

65.TEMPO, TEMPO, TEMPO, TEMPO...


Muita coisa tem acontecido na minha vida neste período, entrei num turbilhão de trabalho, feriados que se sucedem tornando nossas semanas menores e mais velozes, enfim, me perdi de mim um pouquinho, o que me distancia um pouco do blog... pena.
Mas nesta semana me dei conta do que estava acontecendo e pensei: Peraí, mas não posso de maneira nenhuma ficar refém desta maluquice que é a vida de mulher, mãe solteira, empresária, modelo e atriz (brincadeira...).
Na verdade, vinha administrando esta minha realidade de paciente com câncer muito bem, mudado o meu ritmo de vida e tinha e tenho motivos suficientes para isso. Sacava o meu cartão do câncer cada vez que a coisa pegava e havia me livrado de muita coisa chata e que ocupava meu tempo à toa. Algumas obrigações que só tem graça para quem está vivendo como batizado, casamento, festa de criança, enfim, parei de vez. Só vou quando me dá realmente vontade.
Mas, as coisas vão se acomodando, acabei a quimioterapia, a radioterapia, fiz a cirurgia, e ando com uma prótese provisória que quase me faz esquecer e que virou minha melhor amiga, e requer mais cuidados do que minha gata Marrie. É um tal de secar, talquinho, etc... Aliás, dia desses sonhei que a perdia, não a gata, mas a prótese, e acordei gritando pra Raí, minha “secretária”: “Raí, cadê meu peito?” E ela veio esbaforida me acudir e me avisar que o meu vizinho estava na porta pedindo emprestado o carregador do celular que.. bom, isso é outra história...Só sei que fiquei morrrrrta de vergonha do meu vizinho, e acho até que ele tem me evitado nas áreas sociais do prédio. Não perdi a prótese, claro, que dormia sossegada em sua caixinha na mesa de cabeceira, acompanhada dos meus óculos e do meu despertador. Tudo na santa paz.
Na verdade ainda falta a cirurgia de reconstrução do seio, tenho que me poupar, me cuidar e me preparar psicologicamente para mais esta etapa que deve acontecer só em agosto. Até lá, tenho que manter a "espinha ereta e o coração tranquilo". E para não entrar na roda viva novamente, adotei alguns rituais, e um deles foi o de acordar, pegar a bicicleta e dar uma volta por meia hora. Eu e minha bicicleta... como nos velhos tempos. Por isso, pude ter a cabeça mais leve para sentar e escrever aqui, mais relax.
Este tempo é meu, só meu.
E para finalizar, com vocês, Caetano Veloso...!!!!
......
Compositor de destinos
Tambor de todos os rítmos
Tempo tempo tempo tempo
Entro num acordo contigo
Tempo tempo tempo tempo
........
De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo tempo tempo tempo
E eu (me) espalhe benefícios
Tempo tempo tempo tempo...

E Viva Caetano!