domingo, 19 de abril de 2009

63. Todo Dia, é Dia de Índio.






Fazia tempo que não lembrava que o Dia do Índio é 19 de abril.
Nas minhas brincadeiras de infância quando era bem criança sempre queria ser o índio. Gostava de usar pouca roupa e colocar folhas grandes presas na calcinha, feito uma saia ecológica. Na cabeça, uma outra folha de árvore mais exótica pra dar aquele ar mais “fashion” e um arco e flecha feito de uma vareta e um barbante mixuruca, logo abandonado pela incompatibilidade de andar de bicicleta e andar “armada” ao mesmo tempo.
Ao contrário da minha prima, de cabelos enroladinhos, pele branca, doce como mel e que sempre era a mocinha, eu era a “levada da breca”, e olhando hoje as fotos da família, volta e meia lá estava eu de cabeça quebrada, joelho ralado, enfim, o oposto da candura da neta primogênita do clã feminino que é a família de minha mãe. E o pior, nos colocavam roupas iguais, ficávamos um par de jarros estranhos, com “defeito”.
Eu era tão danada e tão ingênua que quando meus seios estavam nascendo eu jurava que era um furúnculo que vinha despontando e me pendurava chorando nos cabelos do meu tio Zizo quando ele me colocava à força pra dentro de casa e pedia em súplica que minha avó me colocasse uma camiseta e me prendesse um pouco em casa, pois “eu parecia um moleca de rua”!
Usava botas ortopédicas, que me faziam um ser mais estranho ainda, fora dos padrões “femininos”.
Tinha 9 anos quando nasceram os meus seios e a primeira menstruação veio no recém feito 10 anos. Virei mocinha num susto, e a condição de menina não era o melhor dos mundos pra mim, acostumada a liberdade de uma infância sem stress ou perigo.
Amanhã é o meu último dia da radioterapia, estou chegando ao fim do tratamento e me restam poucos passos para colocar a prótese, que me devolverá o seio e a suposta feminilidade que se perde quando se faz mastectomia. Pelo menos o que nos deixa mais apavoradas quando se recebe o diagnóstico. Mas, na verdade, nunca, nem um dia desses meus dias, me senti menos feminina, ou o se que convém chamar de feminino.
Não sei se foi a minha infância amazônica, a proximidade com a cultura indígena ou como eles povoam nosso imaginário, mas o fato é que sou grata a este povo livre de preconceito, livre de roupas e livre de padrões de comportamento e beleza que temos. Pelo menos os “meus” índios são assim. Eles me fortaleceram muito e me ajudaram a nunca me sentir “menos” por estar sem um seio. A liberdade e a felicdade que sentia quando me vestia de "'indio" vão me acompanhar por toda a vida, e me apego a isto quando sentir que "o bicho está pegando".
Pra mim, faz tempo que todo Dia é Dia de Índio.

Nota: na foto eu sou a da direita, com esparadrapo no joelho e botas. Ao fundo meus primos e de fralda minha irmã kekey.


2 comentários:

SANDRA FERREIRA disse...

Moramos em Manaus por 4 anos, recém saídos do Rio Grande do Sul. O que poderia ter sido um choque cultural, foi a melhor experiência que tive na vida!!! Cheguei lá com medo de morar em casa térrea e quando vi já estava até olhando jibóia de pertinho e ajudando bicho preguiça a atravessar a rua.

Amei Manaus e o que mais me encantou foi a simplicidade do povo. Eu adorava ver aquelas mulheres de barrigão de fora, sem o menor pudor ou vergonha e pessoas de toalha enrolada em frente as casas no Educandos, como se estivessem em seus quartos. Foi uma mudança de paradigma fenomenal!

Continuo sem usar barriga de fora e não converso com amigos enrolada na toalha, mas confesso que fiquei encantada com a "falta de vergonha" da maioria das mulheres de Manaus.

O nosso senso estético só nos deprime e cerceia.

Abraços, boa semana.

Menina Robô disse...

Verdade, agora me fizeste pensar d onde vem a minha grande força em superar meus limites como PNE e encontrei a resposta lendo o seu post, tambem faço parte da descendencia indigena, e é muito bom ser forte!

Beijokas!

Kariny